segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Subalternidades e Silenciamentos na Sociedade: A Luta pela Visibilidade do Segmento LGBT


Por Cleyton Feitosa Pereira

A democracia defendida na constituição brasileira ainda padece de muitos avanços no que concerne à sua efetivação na concretude. Não só pelas pessoas e suas práticas que compõem a sociedade, mas também pelo próprio Estado que teoricamente apresenta uma das mais belas legislações do mundo. Teoricamente porque em seus ditames legais coíbe práticas discriminatórias, sobretudo de raça: herança do período escravocrata, que resultou numa enorme segregação entre brancos e negros, definindo assim, uma hierarquia de classes através da cor dos sujeitos.

Na intenção de dizimar com essa desigualdade (e através da luta e pressão dos movimentos populares negros) nosso Estado sanciona leis anti-racistas, estimula a entrada de sujeitos negros nas universidades e faculdades brasileiras através dos sistemas de cotas e inclui no currículo escolar estudos culturais afro-brasileiros que valorizam a identidade dos milhões de negros e negras de nossa nação. Os esforços contra o racismo no Brasil ganharam força e muitos adeptos, para além dos esforços e luta do Movimento negro, pela reflexão lógica de que é absurdo e irracional julgar qualquer pessoa por sua cor de pele, pois além de infundado, esse preconceito esbarra no pensamento das pessoas ao refletirem que não se tem culpa de nascer negro ou branco.

No entanto, gay é outra história. Para muitas pessoas, sobretudo conservadoras e fundamentalistas religiosas, o sujeito gay nada mais é que a escória do mundo. Trata-se de um ser imoral, sem vergonha que vem cotidianamente desafiar os bons costumes e a normalidade. Muitos sequer sabem que existem diversas identidades sexuais como a identidade lésbica, gay, bissexual, transexual e travesti, além da própria heterossexual, aliás, muitos desconhecem o termo heterossexual, pois para essas pessoas o certo é mulher gostar de homem e vice-versa numa visão binarista, dicotômica e reducionista das coisas. Desconhecem as identidades.

Qualquer coisa, além disso é pecado, afinal “Deus” fez Adão e Eva, não Adão e Ivo. São argumentos comuns no nosso dia-a-dia que refletem o fracasso da escola, enquanto instituição formadora de cidadãos críticos e reflexivos, além da omissão do Estado no que diz respeito à políticas públicas de inclusão do sujeito homossexual, falta de campanhas, falta de leis de proteção a esse sujeito, falta de tudo. O que resulta numa “subcidadania, a menos acessos a direitos e menos novos direitos públicos” (PRADO e MACHADO, 2008, p. 24).

Toda esta opressão é apontada por estes estudiosos como algo necessário para a manutenção de uma sociedade de classes, hierárquica e desigual, o que nos remonta à teoria de Marx e sua luta de classes. A luta pela emancipação homossexual no Brasil tem início a partir dos anos 70 através das idéias liberais dos países do norte: local de exílio de muitos críticos da ditadura militar. A partir daí, surgem organizações, grupos, periódicos e artistas que põem em evidência o debate sobre homossexualidade e liberdade sexual no Brasil. Timidamente, é verdade, mas para tudo é preciso de um começo. Naquela época, qualquer orientação sexual que divergisse do padrão heterossexual era considerada doença, o que só foi retirado da lista de patologias pela Organização Mundial de Saúde (OMS) na década de 90, fruto de lutas do Movimento LGBT.

E quem quer ser taxado de doente? O fato é que a homossexualidade e todas as outras orientações sexuais e identidades de gênero foram silenciadas e subalternizadas por muito tempo na história do ser humano, validadas pela Ciência Moderna, inclusive, como já foi dita através da Medicina e outras áreas do conhecimento. Essa subalternidade e silenciamento provocaram na comunidade LGBT à necessidade de se organizarem, aparecer e serem vistos na sociedade como seres que existem e que são tão normais e saudáveis como qualquer pessoa, ou seja, trata-se de uma luta, paralelo a muitas outras questões, por visibilidade. Não por outro motivo, a luta de homossexuais tornou-se uma luta pela visibilidade, pois é a resposta mais adequada a uma subalternidade que se constrói ao se tornar invisível. Não falamos desta invisibilidade, pois ela está fora do âmbito da objetivação social hegemônica ao mesmo tempo em que a mantém como superior. Ou seja, um elemento intrínseco ao preconceito sexual é a prática do silêncio e da dissimulação (PRADO e MACHADO, 2008, p. 25).

Essa luta por visibilidade tem se espalhado por diversos setores e instituições sociais e políticos como a mídia, através das telenovelas , programas televisivos , rádio e internet, publicidade e propaganda , hospitais e seus programas preventivos, consultivos e de tratamento, além da educação, pois “escola, currículos, educadoras e educadores não conseguem se situar fora dessa história” (LOURO, 2001, p. 542), entre outros.

O debate do Movimento LGBT tem levantado discussões acaloradas no Congresso Nacional, onde de um lado, um grupo considerado progressista, apoia a luta dos Movimentos Sociais de luta por liberdade sexual e sua pauta de reivindicações e de outro, um grupo oposicionista, conservador, reacionário luta pela manutenção do status quo na sociedade, defendendo a idéia de que as coisas estão certas do jeito que estão sem falar nos grupos religiosos cristãos que consideram a homossexualidade um pecado, condenado pelo livro sagrado cristão, a bíblia, e que por isso deve ser decepado toda e qualquer proposta que venha a favorecer essa minoria social.

Portanto, essa visibilidade não só conquista novas territorialidades como também enfrenta resistências, pois se trata de um questionamento e afrontamento ao poder hegemônico estabelecido na sociedade. Segundo Guacira Lopes Louro “as chamadas minorias sociais estão muito mais visíveis e, consequentemente, torna-se mais explícita e acirrada a luta entre elas e os grupos conservadores” (2001, p. 542). De todo modo, os homossexuais se constituem por aquilo que Paulo Freire chamou de sujeitos oprimidos (1986) em sua obra Pedagogia do Oprimido. E somente através do fortalecimento de sua organização é que conquistarão novos direitos, mais respeito, mais cidadania e justiça para com sua dignidade humana.

A visibilidade destes homens e mulheres na sociedade configura-se como uma das estratégias de luta e para isso, esse grupo tem se valido de ações como as paradas do orgulho gay, marchas contra a homofobia, passeatas em protesto contra a morte ou ataque de algum sujeito LGBT, beijaços em locais onde aconteceu alguma discriminação ou contra alguma pessoa como, por exemplo, o papa Bento XVI na Europa ou num shopping ou na avenida de São Paulo. Essas ações pouco ou nada têm de violentas a não ser que ver algum casal apaixonado de pessoas do mesmo sexo se beijando numa avenida movimentada seja considerado um insulto.

O início do texto serve para nos lembrar que antes era comum e natural discriminar pessoas negras. Hoje é inaceitável e não há nenhuma justificativa para que tal prática aconteça (inclusive utilizar o nome de Deus ou a bíblia para tal). Hoje lutamos para o fim da discriminação contra sujeitos pertencentes à classe LGBT, prática ainda comum para algumas pessoas. Tomara que a história do ser humano mostre a alguns anos que isto também era uma limitação da humanidade que foi superada e que também seja considerada absurda. Esse tempo certamente não virá sem luta, desafios e resistências.

BIBLIOGRAFIA UTILIZADA PRADO, Marcos Aurélio Máximo; MACHADO, Frederico Viana. Preconceito contra homossexualidades: A hierarquia da invisibilidade. São Paulo: Cortez, 2008. FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986. LOURO, Guacira Lopes. Teoria Queer – Uma Política Pós-Identitária Para a Educação. In: http://www.scielo.br/pdf/ref/v9n2/8639.pdf. Acesso em: 11/03/2011.

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